Depois de horas numa reunião, em uma sala com uma mesa bem grande, cheia de pessoas discutindo estatísticas e análises disso-e-daquilo, resolvi que iria acompanhar minha vontade de "tranquilidade momentânea". Despedi-me de todos, peguei a pasta do trabalho e a bolsa a tira colo e fiz o caminho diária de volta. Fui ao metrô, ultrapassei algumas pessoas, cheguei à estação próxima do meu apartamento e deparei-me com as densas nuvens negras da noite que desabavam pesadas e várias, várias, gotas de uma chuva fria e longa- daquelas que entram pela noite e só terminam no dia seguinte.
Resolvi que que não iria comprar um guarda-chuva-de-dez-reais que vendem, misteriosamente, pelas estações de metrô. Decidi me libertar e levemente me posicionei em direção à rua e fui. Caminhando pela rua pude sentir as gotas penetrarem pelo meu cabelo, rosto, corpo inteiro, molhando toda, toda aquela roupa de mulher séria. Levantei a cabeça e olhei o céu. Deixei que a chuva invadisse meu corpo inteiro, penetrasse pela minha alma e limpasse toda a dor, todo o cansaço, que me libertasse de todo o peso. Peso da perda, que é seguido do peso da dor, que vem com o choro e o sentimento de culpa e depois com vontade de abandonar tudo, depois com aquelas vagas ideias de como-pude-deixar-que-ele-tão-pequeno-me-deixasse-. Seria realmente possível que a chuva limpasse todo o corpo e alma?Será?Logo cheguei em casa e fui recepcionada pelas crianças e marido. Perguntaram porque eu estava molhada e não havia ligado para que eles fosse de carro me buscar no metrô. Respondi apenas que queria sentir, mais uma vez, como era o gosto da chuva. Todos riram e avisaram que haviam decidido que iríamos jantar fora.
Voltando à realidade, coloquei a roupa, limpa pela chuva, na máquina de lavar, tomei um banho de alguns pequenos minutos, coloquei um vestido bonito, era roxo, alinhei meus olhos de nissei com uma maquiagem leve, cabelo soltou o preso?- questionei- Solto era melhor. Arrumei o filho e a filha que me contavam sobre o dia e suas brincadeiras de crianças. O marido me abraçou por trás sorrindo e dizendo baixo no idioma de nossas longas gerações- que as crianças ainda não entendiam bem- "eu te amo". Respondi, sinceramente, com reciprocidade. Mas a verdade é que queria voltar a ilusão de andar pela chuva, como a Dama da Noite, que vaga analisando os seres que vagam pela noite cheia-de-bares-e-lugares, protegendo-os. Porém não era possível. Não mais. Duvido, mas...quem sabe algum dia?"
marquinhos bueno.
contos.
escrito em 18/10/10
ao som de: andrew belle, open your eyes.